domingo, 14 de novembro de 2010

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

7 - Às cegas

Não sabia por onde começar a procurar, e por isso procurou sem pensar. Já tinha passado uma semana desde que a primeira parte do diário do misterioso Balthazar tinha sido publicado. E nada tinha encontrado. Nem uma única pista. Não era preciso procurar muito no arquivo do jornal: este tinha iniciado a sua actividade poucos meses antes. Talvez por isso tivesse na sua estrutura editores trapaceiros que queriam apoiar a actividade jornalistica em anti-noticias, em eventos que nem sequer tinham importância para a sociedade em geral. Às voltas na biblioteca, no espaço dos periódicos, reflectia seriamente em como se tinha tornado num jornalista de um jornal de notícias supérfluas, perto da categoria de revista cor-de-rosa. Foi interrompido pela urgência de ser um pouco mais prático: abriu volumes de jornais relativamente recentes, ainda que ao calhas.
Perdeu-se mais um pouco. Perdeu-se ainda mais, vidrado num relógio e no seu ponteiro dos segundos, ágil a percorrer o redondo minuto. Mas um som se sobrepôs à marcha incessante do tempo. Cuidadosos passos, e uma bengala no ar, a sondar os objectos que se atravessavam. Os olhos cegos escondidos atrás de uns óculos escuros. Era uma mulher jovem.
O que ele não sabia é que os sons diziam-lhe que alguém se sentara a vasculhar as inconfidências dos jornalistas, e a intuição, que esse alguém estava perdido. Directa, firme e algo formal, mas com delicadeza, ela abordou-o:
- Precisa de ajuda?
Era funcionária da biblioteca. “E eu a pensar que era preciso ver para trabalhar aqui…”
- Mudo? O quê, é assim tão estranho? Pensavas que eu não podia trabalhar aqui por não ver? – respondeu, desfazendo um pouco a imagem séria de antes.
“Como é que ela sabe?! Será que lê mentes?!”
- Olha, eu não leio mentes … podes parar de pensar idiotices e dizer alguma coisa?
- Desculpe lá… Ei, desde quando é que tens idade para me tratar por tu?
- A partir do momento em que encontro idiotas que não me respondem! Eu não consigo interpretar códigos gestuais, não sei se já deu para ver.
- Nunca ninguém disse que a senhora não tem estofo para trabalhar em atendimento ao público?
Ao ouvir tal, a rapariga endireitou-se ligeiramente, voltando à sua posição inicial. Inspirou e expirou. Voltou a perguntar, com uma seriedade que roçava agora o falso:
- Precisa de ajuda?
Mimetizando-a, ele sentou-se mais direito e respondeu:
- Quem lhe disse que precisava de ajuda?
Um sorriso irrompeu:
- Estás aqui há horas. Mexes e remexes nos papéis, como se não tivesses um objectivo certo. Não sabes o que procurar, ou pelo menos como. Deves ter parado, mas apenas para olhar para o relógio. – fez uma pausa, algo triunfante; mas logo continuou – Não te apetece destruir o relógio? Faz um tique-taque irritante e que não nos larga. Mesmo que te percas nos teus pensamentos, sabes sempre que o tempo não parou para esperar por ti…
- Podes parar de gozar, ou lá o que estás a fazer? Como é que alguém comotu me pode ajudar?
- Sabendo o que procuras. Que fazes afinal aqui? - perguntou, fazendo de conta que não tinha percebido o insulto subentendido.
Derrotado, respondeu:
- Procuro uma noticia relacionada com o “Diário de Balthazar”, uma crónica que o meu jornal
publi…
- Mmmm, sei…
- Já ouviste falar?
- Sim. Mas não me lembro de notícias relacionadas nos últimos tempos… É mesmo verdade? Pensei que era inventado…
- Não, não é…
- Mas reparei no facto do bar estar aberto a noite toda até de madrugada, não é normal. Sabes quando é que isso acontece nesta cidade? No dia 3 de Agosto...
- 3 de Agosto?
- Sim… És de fora? - antes que ele pudesse responder – Sim, já se percebeu… Procura nesse
dia, o dia da"Grande Madrugada". Podia contar a gloriosa história desse feriado recentemente criado (e eliminado), mas basta saberes que foi criado para render mais dinheiro à vida nocturna...
Ele não gostava de ser mandado por alguém mais novo, e ainda assim tão arrogante, mas não tinha melhor ideia… Ela sentou-se a seu lado, como se fosse ajudar a procurar, e ele começou a folhear…
E num título inesperado de dia 3 de Agosto descobriu o que queria:
- “E debaixo do véu”… No dia da Grande Madrugada uma jovem morreu no Pub “A Dama do Véu” em estranhas circunstâncias… Polícia fala de homicídio… Parece que é isto!
- E graças a quem? A quem?
Estava claramente a divertir-se com a situação. Ele respondeu prontamente, algo chateado, mas satisfeito com a descoberta:
- Obrigado pela ajuda.
- De nada. – e com desenvoltura disse - Chamo-me Manuela. E tu?
- Miguel.
Ela estendeu a mão e ele apertou-a. Ela sorriu, um sorriso trapaceiro:
- E agora, já faço parte da investigação?
Ele riu-se, mas não respondeu.
Leu a notícia em voz alta, e os dois discutiram-na. Rapidamente perderam-se noutras conversas, nos seus caminhos sinuosos. Mais uma vez... sem contar com a marcha dos tempos, com o cair da noite, e o fim de mais um dia de vasculhação (não será o melhor nome para algo que não é bem uma investigação?).
Mas ainda muito por contar. E, afinal, que se passou naquela noite de Verão?

5 - De volta ao presente

- Isto é pior que a merda que tu escreveste!

O editor, ou Miranda, o nome que usavam os jornalistas sob sua alçada para o chamar, mas não tão comummente usado quando se referiam a ele nas suas costas, tinha acabado de ler o texto. E a insatisfação parecia bem visível. Mas ele era assim, antipático e fechado, cáustico e amargo. Ninguém sabia quando gostava de algo, apenas quando não gostava. Ainda assim algo mais deslizou da sua boca, não sem algum desconforto por parte do personagem, habituado a outro tipo de falas:

- Mas é uma história real. As pessoas querem lágrimas e sangue, mas fartaram-se do artificial. Isto pode ter sumo para espremer… Miúda – disse virado para o jornalista – vamos passar a publicar isto. Mas acho que também temos de fazer o nosso trabalho de casa. Investigar um pouco o que se passa afinal aqui, a verdade por detrás da verdade, percebes, morcão? Começa a procurar, esta morte pode já ter sido noticiada! Até pode ter sido publicada uma notícia no nosso jornal!

O jornalista parecia entusiasmado com a nova missão, e perfeitamente intocado pelos recorrentes insultos do patrão. Por onde começar a busca?

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Ora bem, o texto de hoje foi curto, mas assim foi também por vos querer incitar à participação. Inventem um nome para o bar onde se deu o crime, o nome da vítima, a data, e outros pormenores relacionados com o que se passou. Eu darei o devido enquadramento às informações que me derem.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

4 - No Bar

Foi de noite. Mas isso talvez já saibam. É sempre a noite que traz a magia, o dia traz a luz e a decepção. Olhava à minha volta e estava tudo como em qualquer outra hora, agitado, perturbado, confuso. Aborrecido, na verdade. Não encontrava espelho por onde me observar, como qualquer outro no meu lugar. E que veria eu nesse reflexo? Nada de muito especial. Talvez isso me devesse atormentar, mas tal não acontecia. Como qualquer um no meu lugar.
Acho que só procurei ver algo em mim depois daquelas horas. Só procuramos o que pensamos poder encontrar.
Podia dizer que nada de novo aconteceu. Mas a novidade só a é para alguém, e para mim foi. Ela era diferente. Talvez não o fosse para qualquer um, mas para alguém o era. Pelo menos para mim.
Se era rosa, eu não via os espinhos. Não quer dizer que não me fosse picar... O que não me demoveu de lhe falar.
Um balcão de um bar, uma bebida oferecida e em troca um sorriso que nos parece do outro mundo. Já ouviram esta história em algum lado? Eu nunca tinha feito dela mais do que isso, ainda que fosse pela sua miragem que migrava todas as noites para aquele local. Não estava à espera de a contar ninguém, ainda que a procurasse incessantemente.
Eu perdi-me no sorriso dela e nela perdi as horas. Sem muitas palavras trocadas, roubei-lhe um beijo. Tímido beijo, já que já me tinha dado a sua simpatia; a ganância em mim foi sempre moderada. Corou para meu espanto. O vermelho nas faces passou para as minhas. Virou-se para mim e segredou nervosa “eu também não estou habituada a isto”. “Não diria tanto”, cortei eu a sua voz e não vi razão para explicar mais as minhas razões, como se a razão se pudesse intrometer aqui.
Não a beijei mais, pelo encanto da sua inocência, não sabia se verdadeira ou não. Também não falámos muito mais. Porque não lhe perguntei nada. Porque não queria roubar mais. Porque o que queria dela tinha de me ser dado, e só aquela rapariga calada, tímida, e ainda assim marcante, poderia fazê-lo.
Durante horas esperei por uma oferenda. Ela foi dando o que sabia dar: um sorriso, um olhar, uma palavra. Coisas tão simples e tão preciosas. Como anéis de plástico trocados entre crianças que ainda não sabem o que é o amor, ou como risos enrugados entre velhos que não descobriram entretanto o que é o amor, mas isso não os impediu de o viver. Esperei mais, como podia não o fazer!?
Ainda que fosse novo para mim, de certa forma, esperei porque não havia mais nada a fazer. Até que o dia raiou e a sua luz nasceu de novo, como sempre o fez. Mas, para quem vive à noite, a luz traz sempre algo que não desejamos: um adeus. Desta vez trouxe algo mais: a verdade. Irrompeu pelas janelas e rasgou-me o peito. Abriu-me o coração e deixou lá um vazio. Porque a luz trouxe a escuridão, e talvez tal aconteça porque faça sombra quando não é omnipresente. Apagou-se uma outra luz, sim, mas primeiro no seu sorriso, depois no seu olhar, por fim no seu corpo inteiro, enquanto esmorecia e caia da cadeira, já sem forças, já sem vida.
E a mim, o que aconteceria? Via bem quando a escuridão era rainha, mas já tinha vivido sem sombra e não podia lá regressar.
E porque é que a manhã trouxe a noite à sua vida? Tinha de saber porquê, amanheci eu no meu pensamento, junto com as minhas lágrimas. Lavo a cara para uma nova existência, à sombra da luz de um dia que vi à noite...

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Bom, isto tudo é da minha autoria, porque o meu apelo não teve resposta. Não sei se terão mais vontade de participar após este capítulo, mas espero que sim. Vejam no capitulo 3, de 15 de Setembro, para mais informações sobre como participar. Eu espero por isso. Senão tiver propostas, continuo com os textos de minha autoria (mas espero sempre por ideias novas).
Comentem, votem, a vossa opinião e a vossa participação é importante no fendamel
E que traz o capítulo seguinte? Quem sabe...

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Mais uma semana...

Já se perderam? Eu já, na quantidade de respostas ao meu pedido de "ajuda" da semana passada. Estou a brincar, ainda estou à espera que alguém me leve a sério. Talvez avance eu da próxima.
Agora a sério. Já se perderam? Nas ruas de uma cidade, nas encruzilhadas da vida? Bem, eu hoje perdi-me um pouco e descobri muito mais do que se não o tivesse feito. Confuso? Nem por isso. Percam-se e vejam o que encontram então...

E agora, um poema. Porquê? Porque sim:

Falta-me espaço
E vontade,
Não tenho lógica nem tempo.
Troco os dias pelas noites
Choro sem lágrimas
E em lágrimas acordo.
Chuva, deve ser...
E trovoadas silenciosas pelo dia
Em que me deixaste morrer,
Lentamente,
Não como o fim da tua vida foi
Para mim.
Acho que só sufocarei
Isto
Quando descobrir
Tudo o que não foste para mim...

Mas isso é outra história
ou talvez não.
Sou advogado do mercador
Escondo a cara,
Mas não a dor.
Talvez nada disto faça sentido,
E não o fará por agora...
Quem me aponta a direcção certa?

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

3 - O relato

“Caros leitores, se esta carta chegou às vossas mãos sã e salva, é porque é vossa. Sou Balthazar, aliás, quero que me conheçam por Balthazar, apesar de não ser este o meu verdadeiro nome. Mas o nome não é importante, apenas a história que tenho para contar. Talvez já tenham ouvido algo do género; já vos entreteram com tantas sagas dramáticas que a vossa curiosidade foi adormecida. Mas deixem-me acordá-la, calmamente no início, mas violentamente no final. Porque quando alguém vos conta, e é verdade, e descansa das suas mágoas sobre o vosso colo, a história passa a ser também vossa.

Podia ter cedido à fraqueza e calar as minhas memórias. Podia e queria tê-lo feito. Mas certas coisas na nossa vida devem ser partilhadas com outros. Principalmente quando os acontecimentos só podem ser ordenados fora da nossa cabeça, ou até por outras cabeças.

Talvez precise de um pouco de ajuda para perceber tudo o que se passou. Ainda que nunca venha a fazê-lo de uma forma perfeita pois, por muito que alguém vos diga que quer tirar uma libra de conhecimento, nem mais, nem menos, sabemos bem que tal não é possível. Portanto, retirem do meu conto o que vos aprouver, e talvez eu faça o mesmo.”

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Caro leitor. Se está a ler esta “série” e acha que não tem ponta por onde se lhe pegue, não exaspere mais. Agora a sua oportunidade chegou para mudar a face desta história, e chegou a minha de não ter culpa se o enredo não levar a lado nenhum.

Todas as semanas (se possível), farei perguntas de forma a decidir o rumo da história. Pode responder de forma simples, dizendo apenas um rumo que eu terei de usar para escrever a continuação, ou até com textos prontos a usar. Tratarei de escolher e identificar quem contribuiu para o texto final semanal. Provavelmente irei usar várias propostas e de vários tipos de cada vez, e escolherei aquelas que achar mais lógicas de acordo com o enredo anterior.

Podem participar através dos comentários do blog, no facebook do fendamel (através de comentários ou de mensagens), ou através do mail fendamel.blog@gmail.com.

Para poder escrever a continuação cada semana, o prazo de envio de propostas fica definido para segunda-feira.

Agora a proposta da semana: o que aconteceu na noite mais comprida da vida de Balthazar? Ou seja, quem é que conheceu, onde e o que aconteceu antes da sua morte trágica. Sugestões? Cuidado com as pistas...

Participem!


domingo, 12 de setembro de 2010

2 - O jornal

Por entre as secretárias de uma publicação da cidade, dois homens discutiam amenamente. Um, mais velho, abanava no ar uma resma de cartas. A outra mão passava-a regularmente no que restava do cabelo. O outro olhava um pouco desapontado para as mesmas cartas:

- Bom, eu tentei, mas eu nunca disse que era escritor.

- Tu disseste que ganhaste um concurso!

- No básico!

- Não achaste que era preciso referir-te a esse pequeno pormenor?

- Não achei que fosse assim tão difícil fazer um texto… desde que a história fosse minimamente interessante.

- Eu mandei-te escrever um diário falso de alguém que sofreu uma perda e quis investigar o caso, uma espécie de policial com testemunhos reais, e tu escreves uma novela rasca e melosa sem pés nem cabeça?! Quem é que iria acreditar? Até gozaram com a qualidade do “conto” – leu numa carta, atirando de seguida à secretária – como se esperássemos criticas literárias a algo que supostamente era um relato! Ainda por cima, nem percebo metade do que acontece aqui.

Continuou, apontando para a folha impressa do jornal; chegou o texto mais perto dos seus olhos:

– “Ninguém espera uma paixão tão forte como resultado de um encontro no bar, consumado por um único beijo. Tão inesperado que pensei sentir muitos olhares pousados sobre nós.” Amor proibido? Isto é inspirado em quê? Romeu e Julieta? E porque é que não conseguimos perceber o género de quem escreve?

- Bem, a ideia é essa… - começou o quase escritor, como ele gostaria de ser referido, em vez de qualquer coisa mais insultuosa. Mas o estafeta interrompeu-os, com mais uma carta.

Ele ia pegar nela, mas o editor tirou-a antes dele. Abriu-a muito rapidamente, julgando que era mais uma crítica. Mas não era.

- O que diz aí? Porque é que o envelope não traz selo e só tem escrito o seu nome?

- Calma. – respondeu o editor, embrenhado na leitura. – Não faças demasiadas perguntas ao mesmo tempo, é capaz de te rebentar um … espera aí. Alguém leu a porcaria que tu escreveste e quer fazer algo em relação a isso. Escuta:

“Eu li a vossa história, e qualquer pessoa via que era inventada. Porém, sou a única pessoa a poder comprovar que não é mentira, pelo simples facto de ser real para mim. Sentindo que era a minha história que estava a ser contada, quero que ela seja narrada por mim, e mais ninguém. Envio com esta missiva uma pequena parte desse relato. Só enviarei a parte seguinte quando vir esta publicada, e o mesmo acontecerá às seguintes. Aceitam introduzir uma ponta de verdade no vosso jornal? Querem atrair leitores para uma história negra e real? Espero que aceitem o desafio. Ass: Balthazar”

- Quem é este idiota cheio de arrogância? – replicou, mas derrotado pela proposta . Agarrou na resma de folhas que vinham no envelope – Começa a ler e vê se isto tem algum interesse.

Desinteressado, o outro pegou nas folhas e começou a ler.

Sabia que estava prestes a ficar sem a tarefa que tinha há pouco iniciado para o jornal. O que não sabia é que os seus dias estavam prestes a ficar mais interessantes…

domingo, 5 de setembro de 2010

1 – A noite (e o que se lhe seguiu)

Posso dizer que tudo, ou quase tudo, de relevante na minha vida se passou à noite. Nasci à noite e à noite perecerei, certamente. Que outra previsão poderia fazer então em relação a alguém que vive à noite e para a noite? Mas o que vos vou contar não é sobre a noite, ou pelo menos não começa com ela.

A vida continuava, moribunda segundo eu, de ressaca certamente, diriam outros. Todas as manhãs eram assim para mim, a cabeça a estalar e a boca seca, incapaz de aguentar o ritmo de vida que impus. Mas o ânimo era outro. As mãos deslizavam pelo volante levemente. Porquê? A explicação aproximava-se a cada quilómetro que ultrapassava.

Ela tinha-me dito, um segredo ao ouvido, onde trabalhava. Talvez me esperasse ver lá no dia seguinte. Segui o meu instinto, um sexto sentido de que tanto falam. Vos digo que não costumo fazer algo do género, mas aquela voz conquistaria qualquer um, mesmo qualquer um ou qualquer uma entre os tantos corações solitários que vagueiam nos bares.

Parei à frente do restaurante onde ela servia à mesa, aproveitando a folga inesperada que a crise dá a tantos. A minha boca amarga por outras razões, porém.

Quero esclarecer algo, que ainda não esclareci por escrever ao sabor da pena (figurativa): ela é o amor da minha vida. Não queria dizer isto assim, afinal é razão de espanto até para mim. Ninguém espera uma paixão tão forte como resultado de um encontro no bar, consumado por um único beijo. Tão inesperado que pensei sentir muitos olhares pousados sobre nós. Julgo agora não ser produto da minha imaginação.

Mas continuemos, porque tal conclusão não nasce instantaneamente: é algo inocente, mas não totalmente irreflectido ou imaturado (se me permitem inventar), ainda que imaturo. Despontou realmente quando o sangue que sujava os azulejos do restaurante sujou a minha boca, e as lágrimas lavaram a minha cara.

O que aconteceu? É aqui que parece começar o mistério, ou é aqui que começa a surgir realmente.

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Mas será o único mistério? Talvez mais questões surgirão entretanto, se não surgiram já nas vossas mentes.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

história

Eu não sabia bem que história contar. Tinha a perfeita noção que a assistência era exigente e a escolha não podia ser deixada ao acaso. Tentei recolher as peças certas da minha memória, aquela parte de mim a que muitos chama de imaginação. Mas se bem me lembro, a história não foi bem assim. Talvez me tenha lembrado, mas sem cuidado.
Faço um esforço para me recordar. A memória é fraca, mas também não tem muito para contar porque os anos não são muitos. São mais aqueles que imagino do que os que realmente recordo. E recordar é viver, certo? Temo não ter vivido muito, pelo menos fora da minha cabeça.
Mas isso não interessa agora. O que interessa realmente é a história que tenho para vos contar. Tem suspense, tem terror, dramatismo e muitas lágrimas à mistura. Tem classe, tem garbo. Tem comédia, tem acção. Tem tudo no sítio. Só não sei como a contar.
Espero um dia poder-vos contar a história das vossas vidas...

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Em desespero sigo a vontade dos deuses

Em desespero sigo a vontade dos deuses,
Porque esperança guardo-a já num canto.
Se guardado é o canto do cisne
Que se perdeu no ar.
No desencanto que a vida me traz,
Por vezes,
Nem a morte traria a sorte que eu queria.
E eu queria pesar esse olhar vazio
Que vejo, por vezes, no espelho,
E enchê-lo com o pesar
Que sei que os vivos têm,
E deixar de vaguear,
E deixar de me ausentar de mim mesma.




Vou passar a publicar aqui o que publico às quartas no fendamel, para não ficar tão parado...

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Prometeu

Fogo. Promessa de criação e de destruição. Visão de um futuro brilhante ou negro, como cinzas que cobrem a terra no último dia.

Para aqueles que sempre fecharam os olhos… talvez tenham visto mais que todos nós. E, ao mesmo tempo, nada viram. E há também aqueles que queriam ter fechado os olhos há mais tempo. E olhar para o sítio certo. Antes que definhassem, e o seu espírito também. Porque há um mundo que nem todos vêm, muito para além do horizonte que está à nossa frente.

Alguém roubará o fogo para que os Homens vejam mais. E passem a sonhar. O sonho é a utopia da espécie, a felicidade a sua nemésis. Um novo caminho iluminado pelo irmão do criador. O barro que precisa de sangue, o sangue que vive para além da matéria.

Sem a ilusão, a rebelião da mente em relação à realidade, mas não ao corpo, produtor e contentor de emoções, onde estaria a nossa humanidade? A dor que criamos a nós próprios sem imaginarmos, imaginando. E também o prazer. Saber que nos levamos mais longe do que as nossas pernas completa-nos.

A verdade e a mentira não existem depois do fogo nos ter sido entregue. À medida que a nossa visão se alarga, também a dúvida e a indefinição. Alguns perdem-se, outros encontram-se.

“Se não me perdesse, não me tinha encontrado. Em cada sonho me perco, e em cada um encontro o que me move. Um estranho fogo que me consome e me cria de novo. Sou feito de ilusões, por vezes sinto que foram elas que me criaram, e nunca o contrário. Não as consigo evitar e … nem sei se existo realmente. Cada visão responde a uma questão que nunca elaborei, surge por si, tomando conta de um corpo que nunca senti ser meu de verdade. Apenas algo que sustentava uma mente que era apenas um receptáculo de um espectáculo de cores e emoções que me pertenciam temporariamente. Mais do que qualquer uma que poderia ser produzida em resposta ao exterior. À realidade em que me movo, pelo menos uma parte de mim.”

Fechou os olhos e sonhou o sonho que o destruiria por dentro, e por dentro o criaria, mais uma vez. E a Fénix renascida olharia de novo o mundo, com o olhar vazio e a mente completa.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Capítulo 1: No nevoeiro (ou Adeus ao " As sentenças dos mortais")

No meio de um nevoeiro; é assim que começa esta história. Da noite negra e nebulosa não se avista nem fim nem meio. Terão de ser outros a delineá-la: para isso emprestarei a minha caneta. E a história ganhará uma estrada e passará as fronteiras do imaginável.

O ar húmido e frio ganha terreno na noite antes estrelada. O olhar ainda não alcança nada, no meio da noite asfixiante.

Apenas se vê um caminho sinuoso e pedregoso, mais claro do que o resto. A lua estará algures, a sondar o céu invisível. É noite de lua cheia e nem por isso a noite perde os seus mistérios.

Um vulto, envolto de um negro azulado, aproxima-se. Passo a passo, trilha o caminho que leva a uma qualquer cidadela. “Falta pouco”, pensa o estranho, “Saint Mousnier é daqui a alguns passos, basta seguir o trilho…”

Decidira confiar em conselhos de estranhos que encontrara no caminho. Teve sorte, não eram ladrões mas mercadores, conhecedores dos caminhos, perigosos e escassos, que serpenteavam em direcção às cidades.

Eram cinco irmãos que se tinham dedicado ao comércio das lãs, produzidas no Norte do Reino. O negócio era próspero e o ofício, de família, e o sangue sempre nos transmite algumas coisas úteis.

O estranho e os mercadores seguiram durante sete dias o mesmo caminho; uma viagem por terra é sempre mais segura com companhia. Por fim, a encruzilhada ditara o fim do caminho comum. Depois das despedidas, o mais novo, um jovem na casa dos vinte, estranhando o silêncio constante do desconhecido, perguntara:

- Quem sois afinal?

O desconhecido, com os olhos postos no fim da estrada que iria seguir, virou lentamente a cabeça e olhou atentamente para o jovem mercador:

- Sois mercador, outros são ladrões, outros ainda são lavradores… Quem sou eu? Sou a memória do que fui e a esperança do que serei. – o sorriso abriu-se no rosto numa expressão magoada – Sois jovem, não sabeis que a vida nos reserva mais do que queríamos…

O sorriso morreu, e com ele a sua faceta mais transparente; voltou a ser opaco, um livro fechado. E o jovem, visivelmente pelo brusco fecho de uma tese de vida, despediu-se cordialmente e os cinco fizeram-se ao caminho.

O vulto ficou a olhar para o grupo até ele desaparecer de vista como uma memória a escapar-se da mente. Virou a cabeça e olhou o céu: as nuvens começavam a amontoar-se.

De nuvens a nevoeiro, do dia para a noite…

E vulto continuava a sua viagem pela noite escura e asfixiante…


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Este era para ser o ponto de partida para uma história escrita no colectivo. Mas tal não aconteceu e decidi aqui publicar o único texto de uma aventura curta e mal sucedida. Apenas uma forma de dizer adeus a um projecto que estava sediado num blogue agora eliminado...