domingo, 12 de setembro de 2010

2 - O jornal

Por entre as secretárias de uma publicação da cidade, dois homens discutiam amenamente. Um, mais velho, abanava no ar uma resma de cartas. A outra mão passava-a regularmente no que restava do cabelo. O outro olhava um pouco desapontado para as mesmas cartas:

- Bom, eu tentei, mas eu nunca disse que era escritor.

- Tu disseste que ganhaste um concurso!

- No básico!

- Não achaste que era preciso referir-te a esse pequeno pormenor?

- Não achei que fosse assim tão difícil fazer um texto… desde que a história fosse minimamente interessante.

- Eu mandei-te escrever um diário falso de alguém que sofreu uma perda e quis investigar o caso, uma espécie de policial com testemunhos reais, e tu escreves uma novela rasca e melosa sem pés nem cabeça?! Quem é que iria acreditar? Até gozaram com a qualidade do “conto” – leu numa carta, atirando de seguida à secretária – como se esperássemos criticas literárias a algo que supostamente era um relato! Ainda por cima, nem percebo metade do que acontece aqui.

Continuou, apontando para a folha impressa do jornal; chegou o texto mais perto dos seus olhos:

– “Ninguém espera uma paixão tão forte como resultado de um encontro no bar, consumado por um único beijo. Tão inesperado que pensei sentir muitos olhares pousados sobre nós.” Amor proibido? Isto é inspirado em quê? Romeu e Julieta? E porque é que não conseguimos perceber o género de quem escreve?

- Bem, a ideia é essa… - começou o quase escritor, como ele gostaria de ser referido, em vez de qualquer coisa mais insultuosa. Mas o estafeta interrompeu-os, com mais uma carta.

Ele ia pegar nela, mas o editor tirou-a antes dele. Abriu-a muito rapidamente, julgando que era mais uma crítica. Mas não era.

- O que diz aí? Porque é que o envelope não traz selo e só tem escrito o seu nome?

- Calma. – respondeu o editor, embrenhado na leitura. – Não faças demasiadas perguntas ao mesmo tempo, é capaz de te rebentar um … espera aí. Alguém leu a porcaria que tu escreveste e quer fazer algo em relação a isso. Escuta:

“Eu li a vossa história, e qualquer pessoa via que era inventada. Porém, sou a única pessoa a poder comprovar que não é mentira, pelo simples facto de ser real para mim. Sentindo que era a minha história que estava a ser contada, quero que ela seja narrada por mim, e mais ninguém. Envio com esta missiva uma pequena parte desse relato. Só enviarei a parte seguinte quando vir esta publicada, e o mesmo acontecerá às seguintes. Aceitam introduzir uma ponta de verdade no vosso jornal? Querem atrair leitores para uma história negra e real? Espero que aceitem o desafio. Ass: Balthazar”

- Quem é este idiota cheio de arrogância? – replicou, mas derrotado pela proposta . Agarrou na resma de folhas que vinham no envelope – Começa a ler e vê se isto tem algum interesse.

Desinteressado, o outro pegou nas folhas e começou a ler.

Sabia que estava prestes a ficar sem a tarefa que tinha há pouco iniciado para o jornal. O que não sabia é que os seus dias estavam prestes a ficar mais interessantes…

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