domingo, 14 de novembro de 2010
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
7 - Às cegas
Perdeu-se mais um pouco. Perdeu-se ainda mais, vidrado num relógio e no seu ponteiro dos segundos, ágil a percorrer o redondo minuto. Mas um som se sobrepôs à marcha incessante do tempo. Cuidadosos passos, e uma bengala no ar, a sondar os objectos que se atravessavam. Os olhos cegos escondidos atrás de uns óculos escuros. Era uma mulher jovem.
O que ele não sabia é que os sons diziam-lhe que alguém se sentara a vasculhar as inconfidências dos jornalistas, e a intuição, que esse alguém estava perdido. Directa, firme e algo formal, mas com delicadeza, ela abordou-o:
- Precisa de ajuda?
Era funcionária da biblioteca. “E eu a pensar que era preciso ver para trabalhar aqui…”
- Mudo? O quê, é assim tão estranho? Pensavas que eu não podia trabalhar aqui por não ver? – respondeu, desfazendo um pouco a imagem séria de antes.
“Como é que ela sabe?! Será que lê mentes?!”
- Olha, eu não leio mentes … podes parar de pensar idiotices e dizer alguma coisa?
- Desculpe lá… Ei, desde quando é que tens idade para me tratar por tu?
- A partir do momento em que encontro idiotas que não me respondem! Eu não consigo interpretar códigos gestuais, não sei se já deu para ver.
- Nunca ninguém disse que a senhora não tem estofo para trabalhar em atendimento ao público?
Ao ouvir tal, a rapariga endireitou-se ligeiramente, voltando à sua posição inicial. Inspirou e expirou. Voltou a perguntar, com uma seriedade que roçava agora o falso:
- Precisa de ajuda?
Mimetizando-a, ele sentou-se mais direito e respondeu:
- Quem lhe disse que precisava de ajuda?
Um sorriso irrompeu:
- Estás aqui há horas. Mexes e remexes nos papéis, como se não tivesses um objectivo certo. Não sabes o que procurar, ou pelo menos como. Deves ter parado, mas apenas para olhar para o relógio. – fez uma pausa, algo triunfante; mas logo continuou – Não te apetece destruir o relógio? Faz um tique-taque irritante e que não nos larga. Mesmo que te percas nos teus pensamentos, sabes sempre que o tempo não parou para esperar por ti…
- Podes parar de gozar, ou lá o que estás a fazer? Como é que alguém comotu me pode ajudar?
- Sabendo o que procuras. Que fazes afinal aqui? - perguntou, fazendo de conta que não tinha percebido o insulto subentendido.
Derrotado, respondeu:
- Procuro uma noticia relacionada com o “Diário de Balthazar”, uma crónica que o meu jornal
publi…
- Mmmm, sei…
- Já ouviste falar?
- Sim. Mas não me lembro de notícias relacionadas nos últimos tempos… É mesmo verdade? Pensei que era inventado…
- Não, não é…
- Mas reparei no facto do bar estar aberto a noite toda até de madrugada, não é normal. Sabes quando é que isso acontece nesta cidade? No dia 3 de Agosto...
- 3 de Agosto?
- Sim… És de fora? - antes que ele pudesse responder – Sim, já se percebeu… Procura nesse
dia, o dia da"Grande Madrugada". Podia contar a gloriosa história desse feriado recentemente criado (e eliminado), mas basta saberes que foi criado para render mais dinheiro à vida nocturna...
Ele não gostava de ser mandado por alguém mais novo, e ainda assim tão arrogante, mas não tinha melhor ideia… Ela sentou-se a seu lado, como se fosse ajudar a procurar, e ele começou a folhear…
E num título inesperado de dia 3 de Agosto descobriu o que queria:
- “E debaixo do véu”… No dia da Grande Madrugada uma jovem morreu no Pub “A Dama do Véu” em estranhas circunstâncias… Polícia fala de homicídio… Parece que é isto!
- E graças a quem? A quem?
Estava claramente a divertir-se com a situação. Ele respondeu prontamente, algo chateado, mas satisfeito com a descoberta:
- Obrigado pela ajuda.
- De nada. – e com desenvoltura disse - Chamo-me Manuela. E tu?
- Miguel.
Ela estendeu a mão e ele apertou-a. Ela sorriu, um sorriso trapaceiro:
- E agora, já faço parte da investigação?
Ele riu-se, mas não respondeu.
Leu a notícia em voz alta, e os dois discutiram-na. Rapidamente perderam-se noutras conversas, nos seus caminhos sinuosos. Mais uma vez... sem contar com a marcha dos tempos, com o cair da noite, e o fim de mais um dia de vasculhação (não será o melhor nome para algo que não é bem uma investigação?).
Mas ainda muito por contar. E, afinal, que se passou naquela noite de Verão?
5 - De volta ao presente
O editor, ou Miranda, o nome que usavam os jornalistas sob sua alçada para o chamar, mas não tão comummente usado quando se referiam a ele nas suas costas, tinha acabado de ler o texto. E a insatisfação parecia bem visível. Mas ele era assim, antipático e fechado, cáustico e amargo. Ninguém sabia quando gostava de algo, apenas quando não gostava. Ainda assim algo mais deslizou da sua boca, não sem algum desconforto por parte do personagem, habituado a outro tipo de falas:
- Mas é uma história real. As pessoas querem lágrimas e sangue, mas fartaram-se do artificial. Isto pode ter sumo para espremer… Miúda – disse virado para o jornalista – vamos passar a publicar isto. Mas acho que também temos de fazer o nosso trabalho de casa. Investigar um pouco o que se passa afinal aqui, a verdade por detrás da verdade, percebes, morcão? Começa a procurar, esta morte pode já ter sido noticiada! Até pode ter sido publicada uma notícia no nosso jornal!
O jornalista parecia entusiasmado com a nova missão, e perfeitamente intocado pelos recorrentes insultos do patrão. Por onde começar a busca?
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Ora bem, o texto de hoje foi curto, mas assim foi também por vos querer incitar à participação. Inventem um nome para o bar onde se deu o crime, o nome da vítima, a data, e outros pormenores relacionados com o que se passou. Eu darei o devido enquadramento às informações que me derem.