domingo, 26 de outubro de 2008

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

domingo, 7 de setembro de 2008

A Minha Opinião...

"Era provavelmente um frustrado, desencantado com a vida, o seu suposto génio (não gosto da palavra) não tinha ido a lado nenhum, podia até ser um pedinte, um rancoroso raivoso com a vida, ou um tipo médio sem perspectivas e sonhos. Acho evidente."

by Sofia Leal


Resposta ao passatempo "Leonardo DaVinci"

terça-feira, 29 de julho de 2008

Até Já!

Mês de Agosto é mês de despedidas...

Mas volto em Setembro...

Até lá, adeus Portugal, olá Moçambique!

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Passatempo "Leonardo DaVinci"


Leonardo DaVinci foi um dos maiores génios da História Universal, encarnando o espírito renascentista do ecletismo: foi pintor, arquitecto, cientista, inventor, e até deu o seu contributo na culinária...
Mas, e se tivesse nascido agora? Como será que o seu génio se revelaria? Será que seria sequer um génio?
Qual a tua opinião sobre este assunto?

Podes responder a esta pergunta na forma de uma narrativa, poema, ensaio, ...

Se quiseres participar envia o teu texto para psiquedelicous@gmail.com.

Os melhores textos serão publicados neste blog em Setembro.

Memórias (3)

O meu acusador virou-se para mim. Os seus olhos diziam-me que ele sabia o que eu sentia. Depois de uma demorada apreciação a todos esses sentimentos, perguntou-me:
– Como te chamas, jovem?
– Tomás. – respondi eu, atabalhoadamente.
Olhou-me nos olhos e perguntou, calmamente:
– Confessas ter assassinado outro homem, sem motivo aparente e sem ataque por parte desse mesmo homem?
As lágrimas vieram-me aos olhos. Tentei não chorar, mas quando ouvi o meu crime dito em voz alta, o peso na minha consciência aumentou consideravelmente. Durante algum tempo deixei as preciosas gotas caírem, e digo preciosas por as ter vertido tão poucas vezes na minha vida, algo que o meu acusador permitiu, esperando pacientemente, com os seus grandes olhos pousados em mim. Ainda com as lágrimas a correrem nos meus olhos, desviei o olhar do acusador e respondi:
– Sim. Confesso.
A audiência continuou impávida e serena como antes. Apenas o acusador falou, agora com uma expressão triunfal estampada no rosto redondo:
– Então, está encerrada a sessão. – e mudando depois para um tom de voz mais formal, continuou – A pena para este crime é a pena capital. – virando-se para dois dos <>, ordenou – Vocês dois vão buscar a injecção letal…
Ia acrescentar algo, mas interrompeu-se e dirigiu-se a alguém que estava atrás de mim:
– Quem é você? O que faz aqui? Não aprendeu que não deve entrar sem permissão?
E uma voz atrás de mim soou, uma voz masculina, suave e atraente, num tom de chacota evidente:
– Ora, não iria deixar este jovem sem defesa, pois não? E quem sou eu? Sou o advogado de defesa do Tomás. Pode-me chamar Jonas, como o filósofo e a personagem bíblica.
O acusador olhou-o, desconfiado. Mas depois, um sorriso malicioso rasgou a face e disse:
– Pode prosseguir com a defesa, pois a acusação terminou agora mesmo. Veremos o que consegue, porque, não sei se sabe, está a brincar com o fogo.
Jonas avançou para o meu campo de vista. A pele, de tez escura, contrastava claramente com o fato, de um branco puro. Os olhos e o cabelo eram igualmente escuros, sendo este último muito curto. Tal como a voz, ele era fisicamente atraente. Devia ter trinta e poucos anos, mais dez do que eu. Lentamente, ele começou a discursar:
– Vou-vos falar de Jonas, a personagem bíblica. Deus deu uma tarefa ao homónimo: avisar os habitantes de Ninive, a capital do Império Assírio, que seriam castigados pelas suas maldades. Mas Jonas queria que os habitantes de Ninive fossem castigados pelo mal que fizeram aos Israelitas, o seu povo e, por isso, fugiu para o mar. Mas, durante uma grande tempestade, Jonas foi lançado à água e foi engolido por um peixe. Dentro do peixe, rezou, e Deus ordenou ao peixe que o cuspisse para terra firme. Depois, Deus formulou a mesma ordem e, desta vez, Jonas aceitou.
E Deus apenas boas verdades nos ensinou. Ensinou-nos a perdoar e a preocuparmo-nos com os outros, ainda que nos tenham feito mal. Porque é que não perdoamos também este jovem? Ele merece o perdão, ainda que não tenha agido correctamente. Tomás pode aprender novos valores, para os perpetuar, para os fazer durar até às gerações seguintes. Segundo Jonas, o filósofo, as nossas acções devem ter em conta as gerações futuras.
Parou subitamente de falar, para ver o impacto que criara na audiência. E sorriu levemente, ao reparar que a audiência estava completamente absorta, suspensa nas suas palavras. E, calmamente, como antes, prosseguiu o seu discurso:
– Libertem-no e o futuro estará assegurado. Quem está comigo?

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Memórias (2)

Desatei a correr ao longo da rua, virando depois para outra rua, e outra após essa e assim sucessivamente. Eram todas iguais, num bairro sempre igual, aliás, numa cidade muito parecida em toda a sua extensão e depressa me perdi. Talvez quisesse mesmo perder-me, esquecer-me. Apenas acordar num dia completamente novo, no qual o meu crime não perpetuasse. Mas isso era completamente impossível, e não podia voltar atrás.
Parei finalmente, completamente exausto da corrida. Estava numa rua delgada, pisando o alcatrão irregular, ladeado de altos prédios, velhos mas ainda imunes ao abandono que aquela cidade sofria, produto da crescente insegurança e de uma onda de crimes sem fim. Não havia ninguém naquela rua além de mim, mas não me sentia seguro. Caminhei, hesitante, em passos inseguros, pela rua adentro.
De repente, sem que nada o previsse, saíram da escuridão vultos igualmente negros. Mais pareciam um prolongamento da própria escuridão onde se encontravam escondidos e não seres independentes e de vontade própria. Eram cinco pessoas, praticamente da mesma altura e largura, eram altos e fortes e foram essas as únicas coisas em que eu pude reparar, pois vestiam os cinco longos mantos negros que cobriam todo o corpo, inclusive a cabeça, com o auxílio, claro, de um capuz da mesma cor. Formaram um círculo à minha volta e apertaram-no de modo a não me deixarem escapar. Tal coisa era inútil, pois eu não ofereceria resistência, estava demasiado desanimado com tudo o que acontecera na minha vida, e, por isso, já não estava muito preocupado com o que me fariam aqueles desconhecidos. A partir daí apenas me lembro de uma dor aguda na nuca, provocada provavelmente por uma pancada para me atordoar. Voltei a acordar numa cela, sem saber mais nada.
Não posso dizer que não voltei a ver nenhum dos homens que me atacou ou, pelo menos, por estar impedido de os distinguir por causa do manto negro, algum dos seus cúmplices. Davam-me pão e água, todos os dias, e nunca lhes perguntava nada sobre o meu destino, pois sabia que nada iriam responder. Uma vez, um deles entregou-me a comida e quando ia a virar as costas, reuni coragem dentro de mim e perguntei-lhe o mais calmamente possível:
– Quantos dias passaram desde que me prenderam?
Só naquele momento é que percebi há quanto tempo eu não falava. A voz saiu-me rouca e pronunciei as palavras com pouca clareza. A minha voz tremia, e isso fez-me perceber que coragem era algo que me faltava.
Não lhe vi o rosto mas a voz demonstrava uma certa leveza, até um pouco de escárnio:
– Estás aqui há três dias. Mas não te preocupes. Não falta muito para saíres daqui. – e falou, ainda, aumentando o escárnio na sua voz roufenha –Para um sítio muito pior, claro.
E, lançando uma risada, saiu da cela.
É óbvio que, com o tempo que tive naquela cela, tive tempo para pensar no que me aconteceria. Seria um grupo de justiceiros? Era provável que, numa cidade tão afectada pela criminalidade, houvesse quem se preocupasse com a justiça. Se me confrontassem com o meu crime, acho que concordaria com qualquer uma das penas que me impusessem, até a morte. Mas esta hipótese era improvável. Era sim, provável, que fossem criminosos. As intenções deles? Desconhecia-as completamente.
No quinto dia vieram-me buscar. Sabia que era o quinto dia porque, a partir do dia em que falei com o <>, passei a estar mais atento e não me deixar levar pela melancolia. E tal como o dia, vieram cinco homens, envergando o mesmo traje dos homens que me enclausuraram. Conduziram-me ao longo de um corredor, que ligava a minha cela ao exterior, e que possuía paredes de cimento, tal como a cela. No fim desse corredor, trespassei a porta de saída, sem saber o que me esperava.
Descobri, então, que aquele corredor dava para um armazém. O armazém era pequeno e iluminado pela luz natural, que entrava por pequenas aberturas no alto da parede de cimento. Tal como as paredes, o corredor e a cela, todo o armazém era feito de cimento, excepto a cobertura, sem tecto, apenas o telhado, feito de zinco. O armazém encontrava-se vazio, à excepção de um conjunto de cadeira, que formava um semi-círculo à frente do qual estava uma cadeira solitária. Todas as cadeiras eram iguais, de madeira envernizada e muito simples, sem nenhum tipo de embelezamento. E foi para as cadeiras que me guiaram.
Sentei-me na cadeira solitária, por indicação de um dos meus captores, e estes últimos sentaram-se nas outras cadeiras. Parece que não temiam uma possível fuga da minha parte, e estavam certos. Eu não podia fugir. Tinha de enfrentar as consequências dos meus actos. Ainda faltavam quatro pessoas, pois ainda estavam vagos quatro lugares.
Finalmente, depois de alguns minutos, os quatro chegaram mas apenas três se sentaram. O que não se sentou, colocou-se à frente da audiência, se assim posso chamar ao conjunto dos <> que se encontravam sentados. De súbito tirou o capuz que protegia a sua identidade. Olhou para mim atentamente. Os olhos castanhos, enquadrados na face ligeiramente redonda e pálida, juntavam-se ao nariz adunco, formando um conjunto curioso. Rapidamente, desviou a sua atenção da audiência e começou:
– Como sempre, encontramo-nos aqui reunidos por motivos que pouco nos aliciam, mas é este o nosso dever. Já vimos o que o crime faz a todos os que nos rodeiam. O pecado atrai os nossos iguais, mas não deixaremos que nos atraia. Nós temos o poder de julgar os criminosos por não o sermos. Temos agora de exercer o nosso dever.
Afinal, estava perante um grupo de justiceiros e este homem constituía a minha acusação. Era óbvio que não haveria defesa, só se me deixassem falar em minha própria defesa, mas eu não tinha argumentos. A minha garganta começava a ficar seca com o nervosismo e com a proximidade de um precipício que me engoliria…

sábado, 24 de maio de 2008

Memórias (1)

Decidi publicar um conto que escrevi já há dois anos, mas como é comprido, vai ser publicado em excertos. Este é o primeiro pedaço...



Horas, dias, anos passaram. Mas quando perguntei pelo tempo ido disseram-me que tinha sido pouco. É verdade que só vi as formas de luz, que passava pelas minúsculas janelas atravessadas por barras de ferro, caminharem pelo cubículo três ou quatro vezes, mas a agonia fazia o tempo passar mais devagar. A cela, onde me encontrava fechado, oprimia-me. O seu chão de cimento frio, frio como o meu coração, que batia apenas com a força da culpa e da agonia. As paredes de igual frieza e uma porta de ferro, da mesma cor que as paredes, cinzenta, como a minha vida. Mas acho que devo falar da agonia. O sentimento de agonia era tão forte que nem sempre a razão dessa agonia era clara: umas vezes não me recordava qual era ela, outras sim. E quando me lembrava… As imagens, que nunca me tinham abandonado, mas cuja lógica apenas discernia naquelas alturas em que me lembrava, em que me recordava, apareciam à minha frente, como um puzzle completo, e, aí, percebia a razão da dor que me transtornava.
Estava numa rua de casas velhas e abandonadas em que a estrada de empedrado dominava toda a largura da rua, sem espaço para o passeio. Encontrava-se mal iluminada, pois uma das lâmpadas dos postes de iluminação, ali existentes, estava fundida, mas ninguém se preocupou, nem se preocuparia, em substitui-la, afinal, naquele bairro, não havia quem pagasse os impostos: apenas toxicodependentes e sem-abrigo. Os rostos destes não se distinguiam, apenas os seus vultos mergulhados na escuridão surgiam diante dos meus olhos.
Mas eu pouco via, era a raiva que me cegava, uma raiva enorme que batia no meu coração, ao invés das batidas normais. Era apenas aquela raiva que alimentava o meu espírito e me guiava o corpo. O meu aspecto tresloucado, a camisa, antes branca, agora castanha da sujidade, as calças de ganga gastas e sujas e os ténis no mesmo estado deviam condizer perfeitamente com o aspecto da rua, conspurcada pelas actividades dos mal amados da sociedade, seja com seringas, restos do lixo e cobertores velhos, e pela presença dos mesmos.
A razão para a loucura e para a raiva está patente nos acontecimentos desse dia, que me parece tão longínquo, ainda que tenha decorrido há tão pouco tempo. É engraçado como tento encontrar explicação para tudo, como a vida é uma interminável interrogação. Naquele dia perdi tudo, mas posso ter ganho muito mais. Na vida é preciso entregar para receber. Mas, para mim, e naquele exacto instante, tudo parecia perdido. Perdera o meu emprego, a minha namorada e uma fortuna no jogo. Perdi tudo isto e a estabilidade que tanto queria na minha vida. Na minha cabeça, onde os pensamentos revolviam sem sentido, a culpa parecia pertencer à sociedade. A tal sociedade de consumo e do egocentrismo, a sociedade que não pensava em pessoas como eu, pois eu era apenas uma série de números que constituíam a minha identidade legal, não um complexo ser humano. E com a cabeça quente julguei descobrir a culpa pelos problemas da sociedade.
Virei-me para os sem-abrigo. Se estes trabalhassem, de certeza que a riqueza cresceria e os problemas escasseariam. Mas como não trabalham, o Estado gasta dinheiro desnecessariamente com os sem-abrigo.
Revoltei-me e, vendo-me rodeado destes, decidi, num ataque de loucura, descarregar a fúria contra um sem-abrigo.
Meti a mão no bolso das calças e procurei o canivete. Depois tirei-o do bolso e abri-o, fazendo a lâmina brilhar sob a fraca luz. Procurei com o olhar uma possível vítima da minha cólera. Estava a pouca distância, a poucos passos até, um homem, nos seus quarenta anos, de roupa gasta, barba por fazer, sentado e encostado à parede de uma velha casa caiada de branco, a comer algo escondido num saco plástico, mastigando ruidosamente. Parou de comer quando sentiu o meu olhar sobre ele e levantou o olhar. Os olhos faiscaram de medo ao ver o canivete na minha mão e a minha expressão tresloucada. Ele antevia já o seu destino. Levantou-se bruscamente, mas continuou a olhar para mim, em pânico, sem saber o que fazer, como um animal numa jaula. Apertei ainda mais o canivete contra a palma da minha mão e, antes que o homem reagisse, empurrei-o contra a parede que se encontrava atrás de si e enterrei a lâmina no peito. Ele estremeceu e contorceu-se, abrindo muito os olhos e, por fim, parou de se mexer. Desenterrei lentamente a lâmina, que acabei por deixar cair no chão, e deixei o seu corpo escorregar ao longo da parede, deixando um rasto ensanguentado, acabando por ficar sentado no fundo da parede, no chão frio e empedrado da rua.
A face sem expressão e o silêncio que provinha do coração dele chocaram-me profundamente. E esse choque fez-me voltar à realidade. O silêncio da rua fez-me saber que ninguém tinha dado pelo incidente. Ainda que houvesse alguém murmurando o acontecimento, não teria ouvido, pois o meu coração não parava de bater desenfreadamente. E eu tinha medo. Tinha medo da maneira como o acontecimento ficaria gravado na minha própria pessoa. A memória nunca me deixaria descansar, nunca. E as poucas lágrimas que verti em toda a minha vida verti-as ali, diante do corpo sem vida de um desconhecido, uma vida que eu ceifei num acesso de loucura. Se chorei por ele ou por mim, é algo que eu não sei nem nunca saberei ao certo.

sábado, 19 de abril de 2008

Os elementos

Batôn vermelho
Cobre os lábios.
Um manto de seda
Envolvida no ar que respiro.
E no mar...
E no fogo,
Escarlate,
Como a seiva da vida.
A terra que alimenta
Esta estética
É rica
Nessa vida que
Me faz apaixonar.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Escuridão


A escuridão assaltou-me
Uma escuridão gelada…
Troquei meu leito pobre
Por um dossel feito de ossos do Lago Estígio.
Estendo a minha mão e empurro a porta,
A porta da casa de Hades.
Olho para trás e vejo claramente,
(com a clareza de quem já não vê a luz do dia),
Como era a vida.

E, à frente da antiga cidade soterrada de cinzas,
Fecho a porta.
Sorrio para Caronte com uma moeda na mão.
É esta a minha última viagem…


--Este é um dos meus primeiros poemas; fica o aviso para quem duvidar da sua qualidade.--

domingo, 16 de março de 2008

Raízes desconhecidas

A lua aclara a noite,
E com ela, partem os seus filhos.
De asas estendidas, voam
Até ao manto salpicado de ouro.
A brisa caminha pelas planícies.
Sou a única que não parte.
Correntes me prendem ao chão;
De memórias são elas feitas.
Imagino o caminho de estrelas:
Sonho com elas.
Mas há tanto que me prende a este lugar!
A brisa caminha…
Murmúrios nascem do amor
Entre o vento e as montanhas.
Finalmente, a noite partiu,
E eu não parti com ela.
A terra, sedenta, banha-se no sol
Que nasce entre as montanhas.
Preciso da lua mas saúdo
Aquele astro imponente.
Mais uma vez,
Onde não pertenço.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Ciência

Será o amor
Uma substância impura de se beber?
Bebe-se
Mas recusa-se o seu engenho?
A mecânica ainda não está provada.
É uma equação sem solução.
Será venenoso?
Se calhar
(tantos foram os que morreram por ele!)
O que pulsa dentro de mim
Sabe-me ao fim.
A minha alma
De sangue exangue
Lágrimas brotam
Água salgada
Como mar de saudade.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Episódio 1: Um novo dia

O dia chegou finalmente às ruas. Uma aurora tardia de Inverno, velada pelo nevoeiro invulgar de Fevereiro, iluminou a cara daquela figura humana. Ele, encostado a uma parede soturna, observava o ar acima dele, como se conseguisse vislumbrar o céu triste.
Qualquer um diria que este era um vulgar rapaz que tinha ultrapassado há pouco os seus vinte anos. Poderia ser, mas no seu olhar transportava um peso maior que a idade que aparentava.
Os olhos cor de mel brilhavam como uma emoção desmaiada que revolvia à vista de todos. E o céu rugia levemente em resposta a uma pergunta que ele punha na sua mente.
Fechou os olhos e baixou a cabeça, num misto de desespero e serenidade. Era como se a criaturas como ele não fosse permitido sair de um estado de total controlo sobre si próprio e sobre os outros.
A névoa desceu na cidade depressa demais. Era uma névoa avermelhada e bruxuleante. O chão começou a tremer. Ele simplesmente suspirou e desencostou-se, expectante.
O solo vibrava cada vez mais e, a certa altura, fendeu. O buraco que ali surgiu abriu-se rapidamente. De lá, emergiu um ar fétido. Trazia com ele o cheiro de um imenso cadáver em decomposição. Da escuridão materializou-se uma escadaria. Dela subiu um estranho vulto. Era levemente informe, formando uma espécie de névoa negra de forma humana.
Este cenário não o repugnou nem assustou, apenas o deixando um pouco mais curioso, tendo abandonado o seu anterior estado de reflexão.
No último degrau, a névoa como que se uniu. As partículas negras formaram um todo muito semelhante a um humano. Foi como se a matéria se tivesse juntado de novo nos inícios da existência para formar o Homem. Ou, como neste caso, uma mulher.
O cabelo preto contrastava claramente com a cara pálida, onde repousavam olhos negros como a escuridão que envolvia o local donde emergiu a escadaria. Virou-se calmamente para ele, mas nada disse. Em resposta a este olhar, ele disse:
- Então Pérsia, já não se fala?
- Rómulo, Rómulo, Rómulo... Sempre tão simpático... – e com desdém acrescentou - O dia não está para graças. Mandaram-me tratar daquela rapariga. Ela já está a dar problemas a mais...
- Já trataste de problemas piores.
- É verdade. – e com voz de falsete – E tu, que fazes hoje?
- O costume... Passeio pela cidade, convenço alguém de que hoje é dia ideal para se atirar de uma ponte abaixo, etc. – respondeu, com sarcasmo.
- OK.
Dito isto, ela continuou o seu caminho como se nem tivesse parado para falar com ele. E Rómulo não se sentiu afectado por isso.
Ele suspirou. Observou durante um bocado o buraco a tornar-se fenda e a fenda a tornar-se empedrado. O cheiro nauseabundo cessou de repente. A névoa levantou. E com ela, todos os sons de um mundo que acordava surgiram. Sabia que tinha chegado a hora de iniciar o seu dia, a sua ronda pela cidade.

Continua no próximo episódio...

Sadismo

Sou sádica.
Vejo sangue a correr
Nas ruas da minha cidade
Como rio,
Planta de outro saber,
Esse obscuro.
Vejo a vida que sofreu
E que sofrerá.
Vejo sentidos numa
Estrada sem fim,
À margem dos projectos
Dos outros.
Vejo quantas criaturas
Brilham num céu
De prazer e torturas.

Vejo-me a mim e a ti.
Enquanto vejo
Vejo assim.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Vitoriano




Muitas vezes me recordo
Da natureza.
Um vale verde,
Um rio
Transparente aos olhos de todos.
E o movimento? E a música…
A doce música de olhares encobertos.
Canto aquela música sem letra;
Ela já bombeava o meu sangue,
Finalmente ela se liberta do meu ser.
No meio daquela canção,
Todos os sons que amava se sobrepunham
Numa desorganização organizada.
Todos os sons,
Todas as melodias,
Todas as sinfonias.
O rio a correr, a brisa de encontro às vegetais disposições,
Os pássaros, a vida,
Todo um círculo vicioso de sensações!
De repente, as cordas dos violinos partiram-se,
O piano calou-se,
Até o mais pequeno instrumento deixou de tocar…
O pano fechou-se;
Outro espectáculo surgiu:
Cordas se sobrepunham,
Quase automaticamente.
Rodas metálicas rugiam,
Rosnavam, rodavam.
Eu fazia casacos que nunca iria usar,
Dos melhores tecidos…
Ainda tinha todos os dedos,
Ao contrário de metade das crianças com que trabalhava.
Uma triste melodia em crescendo…
Era esta a verdadeira e única música
Que tinha ouvido em toda a minha curta vida.
Vida;
Aqui é tão rara…

Esse alguém...

É saudade cair em tua mente.
É o riso que chora a tua perda
Que me transforma
No que sou.
O cheiro do altar-mor
Incenso que aspiro.
Chuva,
Chuva dos sentimentos,
Me abrigo.
Tão só.
Claustro dos meus pensamentos,
Abriga-me da chuva que corre
Em bica
Não me traz
Contentamento.

Reflexão (pouco) profunda

Hoje queria-vos falar de ... reciclagem!
Não fiquem já assustados. Apenas queria reflectir sobre uma coisa.
Até onde é que vai a reciclagem? Sim, porque agora reciclamos tudo.
Papel, plástico, vidro, pilhas de todo o tipo, roupas,...
Ai ai... No meu tempo, as criancinhas brincavam em todo o lado e caíam, abrindo as pernas de alto a baixo com um pedaço de lata enferrujada ou com uma garrafa partida....
Tiraram-nos a infância!

E já imagino o futuro desta moda da reciclagem:
Ao arrastar lentamente o carrinho das compras num qualquer supermercado, o/a autor/a deste blog chega
à prateleira dos ovos. De um lado, os ovos dizem: "Ovos frescos"
Do outro: "Ovos reciclados"
Mas o folhetim destes ovos dar-nos-á mais informações:
"Sabe quantas galinhas se poupam ao se reciclarem 15 ovos?"

Pense nisto...

domingo, 27 de janeiro de 2008

Areal

O céu escurece,
O luar invade-nos o coração
E as trevas, a mente.
Ódio e amor,
Duas faces do mesmo elemento.
Serão as trevas intocáveis?
Poderá o luar sucumbir?
Nenhuma das faces cairá.
São, pois, as duas, apoio e complemento uma da outra.

E move-se assim o corpo ao ritmo do coração
E não da mente, ausente dos planos,
Da trajectória, de todo um plano universal.

O destino de todos, já traçado ou por nós definido?
Se calhar seja já destino que o Homem faça
Um longo e ridículo questionário.
Que sabe o Homem afinal?
Ele apenas avista a ponta de algo escondido na areia,
Algo demasiado escondido na imensidão do areal
Areia demasiado movediça,
Que engole as esperanças e sonhos de quem insiste em escavá-la.
É, afinal, a escuridão dos nossos corações
Que se esconde no areal.

O Retrato da Paz

A luz que vês
A passar
Por aquela janela,
Não passa da
Ausência de escuridão.
Uma força invisível...
Que provêm do mais fundo
Espaço
Do teu coração.
A Paz é isso.
É a ausência
De um instinto primário
Que se esconde em cada um de nós:
A Guerra.

A Guerra é uma arte,
Figuração definida
Por traços definidos.
A Definição de muitas e muitas
Vidas
Passaram e passarão por ela.
Assim,
A Paz é
Uma tela vazia,
Onde todos nós podemos
Projectar,
Imaginar,
Reflectir,
Sonhar,
O que seria cada
Um de nós.
Um futuro que podemos
Mudar.
Uma vida que podemos
Salvar.

E quando,
Mergulhados no
Sangue e lágrimas
De todos os que
Por nós
Lutaram,
Sofreram,
Morreram,
Estendermos
As mãos
Tingidas
Do Ser dos Outros
Para a tela branca,
Nascerá
Um esboço
De uma felicidade
Inalcançável.