quinta-feira, 30 de setembro de 2010

4 - No Bar

Foi de noite. Mas isso talvez já saibam. É sempre a noite que traz a magia, o dia traz a luz e a decepção. Olhava à minha volta e estava tudo como em qualquer outra hora, agitado, perturbado, confuso. Aborrecido, na verdade. Não encontrava espelho por onde me observar, como qualquer outro no meu lugar. E que veria eu nesse reflexo? Nada de muito especial. Talvez isso me devesse atormentar, mas tal não acontecia. Como qualquer um no meu lugar.
Acho que só procurei ver algo em mim depois daquelas horas. Só procuramos o que pensamos poder encontrar.
Podia dizer que nada de novo aconteceu. Mas a novidade só a é para alguém, e para mim foi. Ela era diferente. Talvez não o fosse para qualquer um, mas para alguém o era. Pelo menos para mim.
Se era rosa, eu não via os espinhos. Não quer dizer que não me fosse picar... O que não me demoveu de lhe falar.
Um balcão de um bar, uma bebida oferecida e em troca um sorriso que nos parece do outro mundo. Já ouviram esta história em algum lado? Eu nunca tinha feito dela mais do que isso, ainda que fosse pela sua miragem que migrava todas as noites para aquele local. Não estava à espera de a contar ninguém, ainda que a procurasse incessantemente.
Eu perdi-me no sorriso dela e nela perdi as horas. Sem muitas palavras trocadas, roubei-lhe um beijo. Tímido beijo, já que já me tinha dado a sua simpatia; a ganância em mim foi sempre moderada. Corou para meu espanto. O vermelho nas faces passou para as minhas. Virou-se para mim e segredou nervosa “eu também não estou habituada a isto”. “Não diria tanto”, cortei eu a sua voz e não vi razão para explicar mais as minhas razões, como se a razão se pudesse intrometer aqui.
Não a beijei mais, pelo encanto da sua inocência, não sabia se verdadeira ou não. Também não falámos muito mais. Porque não lhe perguntei nada. Porque não queria roubar mais. Porque o que queria dela tinha de me ser dado, e só aquela rapariga calada, tímida, e ainda assim marcante, poderia fazê-lo.
Durante horas esperei por uma oferenda. Ela foi dando o que sabia dar: um sorriso, um olhar, uma palavra. Coisas tão simples e tão preciosas. Como anéis de plástico trocados entre crianças que ainda não sabem o que é o amor, ou como risos enrugados entre velhos que não descobriram entretanto o que é o amor, mas isso não os impediu de o viver. Esperei mais, como podia não o fazer!?
Ainda que fosse novo para mim, de certa forma, esperei porque não havia mais nada a fazer. Até que o dia raiou e a sua luz nasceu de novo, como sempre o fez. Mas, para quem vive à noite, a luz traz sempre algo que não desejamos: um adeus. Desta vez trouxe algo mais: a verdade. Irrompeu pelas janelas e rasgou-me o peito. Abriu-me o coração e deixou lá um vazio. Porque a luz trouxe a escuridão, e talvez tal aconteça porque faça sombra quando não é omnipresente. Apagou-se uma outra luz, sim, mas primeiro no seu sorriso, depois no seu olhar, por fim no seu corpo inteiro, enquanto esmorecia e caia da cadeira, já sem forças, já sem vida.
E a mim, o que aconteceria? Via bem quando a escuridão era rainha, mas já tinha vivido sem sombra e não podia lá regressar.
E porque é que a manhã trouxe a noite à sua vida? Tinha de saber porquê, amanheci eu no meu pensamento, junto com as minhas lágrimas. Lavo a cara para uma nova existência, à sombra da luz de um dia que vi à noite...

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Bom, isto tudo é da minha autoria, porque o meu apelo não teve resposta. Não sei se terão mais vontade de participar após este capítulo, mas espero que sim. Vejam no capitulo 3, de 15 de Setembro, para mais informações sobre como participar. Eu espero por isso. Senão tiver propostas, continuo com os textos de minha autoria (mas espero sempre por ideias novas).
Comentem, votem, a vossa opinião e a vossa participação é importante no fendamel
E que traz o capítulo seguinte? Quem sabe...

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Mais uma semana...

Já se perderam? Eu já, na quantidade de respostas ao meu pedido de "ajuda" da semana passada. Estou a brincar, ainda estou à espera que alguém me leve a sério. Talvez avance eu da próxima.
Agora a sério. Já se perderam? Nas ruas de uma cidade, nas encruzilhadas da vida? Bem, eu hoje perdi-me um pouco e descobri muito mais do que se não o tivesse feito. Confuso? Nem por isso. Percam-se e vejam o que encontram então...

E agora, um poema. Porquê? Porque sim:

Falta-me espaço
E vontade,
Não tenho lógica nem tempo.
Troco os dias pelas noites
Choro sem lágrimas
E em lágrimas acordo.
Chuva, deve ser...
E trovoadas silenciosas pelo dia
Em que me deixaste morrer,
Lentamente,
Não como o fim da tua vida foi
Para mim.
Acho que só sufocarei
Isto
Quando descobrir
Tudo o que não foste para mim...

Mas isso é outra história
ou talvez não.
Sou advogado do mercador
Escondo a cara,
Mas não a dor.
Talvez nada disto faça sentido,
E não o fará por agora...
Quem me aponta a direcção certa?

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

3 - O relato

“Caros leitores, se esta carta chegou às vossas mãos sã e salva, é porque é vossa. Sou Balthazar, aliás, quero que me conheçam por Balthazar, apesar de não ser este o meu verdadeiro nome. Mas o nome não é importante, apenas a história que tenho para contar. Talvez já tenham ouvido algo do género; já vos entreteram com tantas sagas dramáticas que a vossa curiosidade foi adormecida. Mas deixem-me acordá-la, calmamente no início, mas violentamente no final. Porque quando alguém vos conta, e é verdade, e descansa das suas mágoas sobre o vosso colo, a história passa a ser também vossa.

Podia ter cedido à fraqueza e calar as minhas memórias. Podia e queria tê-lo feito. Mas certas coisas na nossa vida devem ser partilhadas com outros. Principalmente quando os acontecimentos só podem ser ordenados fora da nossa cabeça, ou até por outras cabeças.

Talvez precise de um pouco de ajuda para perceber tudo o que se passou. Ainda que nunca venha a fazê-lo de uma forma perfeita pois, por muito que alguém vos diga que quer tirar uma libra de conhecimento, nem mais, nem menos, sabemos bem que tal não é possível. Portanto, retirem do meu conto o que vos aprouver, e talvez eu faça o mesmo.”

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Caro leitor. Se está a ler esta “série” e acha que não tem ponta por onde se lhe pegue, não exaspere mais. Agora a sua oportunidade chegou para mudar a face desta história, e chegou a minha de não ter culpa se o enredo não levar a lado nenhum.

Todas as semanas (se possível), farei perguntas de forma a decidir o rumo da história. Pode responder de forma simples, dizendo apenas um rumo que eu terei de usar para escrever a continuação, ou até com textos prontos a usar. Tratarei de escolher e identificar quem contribuiu para o texto final semanal. Provavelmente irei usar várias propostas e de vários tipos de cada vez, e escolherei aquelas que achar mais lógicas de acordo com o enredo anterior.

Podem participar através dos comentários do blog, no facebook do fendamel (através de comentários ou de mensagens), ou através do mail fendamel.blog@gmail.com.

Para poder escrever a continuação cada semana, o prazo de envio de propostas fica definido para segunda-feira.

Agora a proposta da semana: o que aconteceu na noite mais comprida da vida de Balthazar? Ou seja, quem é que conheceu, onde e o que aconteceu antes da sua morte trágica. Sugestões? Cuidado com as pistas...

Participem!


domingo, 12 de setembro de 2010

2 - O jornal

Por entre as secretárias de uma publicação da cidade, dois homens discutiam amenamente. Um, mais velho, abanava no ar uma resma de cartas. A outra mão passava-a regularmente no que restava do cabelo. O outro olhava um pouco desapontado para as mesmas cartas:

- Bom, eu tentei, mas eu nunca disse que era escritor.

- Tu disseste que ganhaste um concurso!

- No básico!

- Não achaste que era preciso referir-te a esse pequeno pormenor?

- Não achei que fosse assim tão difícil fazer um texto… desde que a história fosse minimamente interessante.

- Eu mandei-te escrever um diário falso de alguém que sofreu uma perda e quis investigar o caso, uma espécie de policial com testemunhos reais, e tu escreves uma novela rasca e melosa sem pés nem cabeça?! Quem é que iria acreditar? Até gozaram com a qualidade do “conto” – leu numa carta, atirando de seguida à secretária – como se esperássemos criticas literárias a algo que supostamente era um relato! Ainda por cima, nem percebo metade do que acontece aqui.

Continuou, apontando para a folha impressa do jornal; chegou o texto mais perto dos seus olhos:

– “Ninguém espera uma paixão tão forte como resultado de um encontro no bar, consumado por um único beijo. Tão inesperado que pensei sentir muitos olhares pousados sobre nós.” Amor proibido? Isto é inspirado em quê? Romeu e Julieta? E porque é que não conseguimos perceber o género de quem escreve?

- Bem, a ideia é essa… - começou o quase escritor, como ele gostaria de ser referido, em vez de qualquer coisa mais insultuosa. Mas o estafeta interrompeu-os, com mais uma carta.

Ele ia pegar nela, mas o editor tirou-a antes dele. Abriu-a muito rapidamente, julgando que era mais uma crítica. Mas não era.

- O que diz aí? Porque é que o envelope não traz selo e só tem escrito o seu nome?

- Calma. – respondeu o editor, embrenhado na leitura. – Não faças demasiadas perguntas ao mesmo tempo, é capaz de te rebentar um … espera aí. Alguém leu a porcaria que tu escreveste e quer fazer algo em relação a isso. Escuta:

“Eu li a vossa história, e qualquer pessoa via que era inventada. Porém, sou a única pessoa a poder comprovar que não é mentira, pelo simples facto de ser real para mim. Sentindo que era a minha história que estava a ser contada, quero que ela seja narrada por mim, e mais ninguém. Envio com esta missiva uma pequena parte desse relato. Só enviarei a parte seguinte quando vir esta publicada, e o mesmo acontecerá às seguintes. Aceitam introduzir uma ponta de verdade no vosso jornal? Querem atrair leitores para uma história negra e real? Espero que aceitem o desafio. Ass: Balthazar”

- Quem é este idiota cheio de arrogância? – replicou, mas derrotado pela proposta . Agarrou na resma de folhas que vinham no envelope – Começa a ler e vê se isto tem algum interesse.

Desinteressado, o outro pegou nas folhas e começou a ler.

Sabia que estava prestes a ficar sem a tarefa que tinha há pouco iniciado para o jornal. O que não sabia é que os seus dias estavam prestes a ficar mais interessantes…

domingo, 5 de setembro de 2010

1 – A noite (e o que se lhe seguiu)

Posso dizer que tudo, ou quase tudo, de relevante na minha vida se passou à noite. Nasci à noite e à noite perecerei, certamente. Que outra previsão poderia fazer então em relação a alguém que vive à noite e para a noite? Mas o que vos vou contar não é sobre a noite, ou pelo menos não começa com ela.

A vida continuava, moribunda segundo eu, de ressaca certamente, diriam outros. Todas as manhãs eram assim para mim, a cabeça a estalar e a boca seca, incapaz de aguentar o ritmo de vida que impus. Mas o ânimo era outro. As mãos deslizavam pelo volante levemente. Porquê? A explicação aproximava-se a cada quilómetro que ultrapassava.

Ela tinha-me dito, um segredo ao ouvido, onde trabalhava. Talvez me esperasse ver lá no dia seguinte. Segui o meu instinto, um sexto sentido de que tanto falam. Vos digo que não costumo fazer algo do género, mas aquela voz conquistaria qualquer um, mesmo qualquer um ou qualquer uma entre os tantos corações solitários que vagueiam nos bares.

Parei à frente do restaurante onde ela servia à mesa, aproveitando a folga inesperada que a crise dá a tantos. A minha boca amarga por outras razões, porém.

Quero esclarecer algo, que ainda não esclareci por escrever ao sabor da pena (figurativa): ela é o amor da minha vida. Não queria dizer isto assim, afinal é razão de espanto até para mim. Ninguém espera uma paixão tão forte como resultado de um encontro no bar, consumado por um único beijo. Tão inesperado que pensei sentir muitos olhares pousados sobre nós. Julgo agora não ser produto da minha imaginação.

Mas continuemos, porque tal conclusão não nasce instantaneamente: é algo inocente, mas não totalmente irreflectido ou imaturado (se me permitem inventar), ainda que imaturo. Despontou realmente quando o sangue que sujava os azulejos do restaurante sujou a minha boca, e as lágrimas lavaram a minha cara.

O que aconteceu? É aqui que parece começar o mistério, ou é aqui que começa a surgir realmente.

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Mas será o único mistério? Talvez mais questões surgirão entretanto, se não surgiram já nas vossas mentes.